Esta semana, a imprensa-empresa ‘ocidental’ só noticiou “manifestações”
na Ucrânia a favor da ‘integração’ na União Europeia. Como se algum
"povo ucraniano" tivesse saído repentinamente às ruas, em massa, para
exigir o contrário do que seu governo fizeram na véspera e que tantos
haviam festejado tanto.
Como hoje se vê afinal, as matérias de anteontem eram a festa da
manifestação de alguns mais bem informados que não querem saber da União
Europeia; e (b) as matérias que os jornalões-emprensas divulgaram ontem
e hoje são manifestação de vastíssimos interesses apostados a favor da
‘integração’ da Ucrânia na UE. As matérias 'jornalísticas' de ontem e
hoje foram vendidas como se fossem fatos e jornalismo, mas não passaram
de desinformação ‘jornalística’, informação mal investigada, mal
pesquisada e mal construída, pura ânsia de ‘pôr texto’ (qualquer-merda)
em imagens espetaculosas
de ‘manifestações’ de meia dúzia de gatos pingados arrastados pelas ruas (e para a fotografia de espetacularização).
Agora felizmente, The Saker tira a surdina do piston e põe as coisas no
lugar. Não traduzimos, por absoluta falta de tempo, a maravilhosa
introdução sobre a história da Ucrânia, que o postado oferece. Contra o “
império anglo-sionista”!
O excerto que aí vai, explica com riqueza de informação o que está em
discussão, mesmo na Ucrânia hoje. E como é discutido sobre a ‘anexação’
pela via de um acordo comercial leonino, de um país ainda governado por
oligarquia safada, por um bloco continental comercial riquíssimo (que o
autor chama corretamente de “império anglo-sionista”), é assunto muito,
muito importante, para todos os pobres do mundo. Grande Saker!
NÃO LEIA JORNAIS do grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão). Desligue a Globo.
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Do que realmente se trata?
A resposta curta é que se trata do futuro da oligarquia ucraniana. A
resposta mais complexa é que se trata, aqui, do que o ocidente pode
ganhar por cooptar a oligarquia ucraniana para a esfera de influência
ocidental. Na prática, significa que enquanto o ocidente concordar em
manter no poder os oligarcas, o ocidente pode extrair da Ucrânia
vantagens realmente grandes, como um mercado para bens da União
Europeia, mão de obra barata, a possibilidade de o ocidente plantar
forças da
OTAN
na Ucrânia (sem ter, para isso, de admitir a Ucrânia na OTAN). E, o
mais importante: uma garantia muito sólida de que o ocidente poderá
ditar seus termos à oligarquia ucraniana que ficará sem alternativa que
não seja hiper-obedecer ao que o ocidente exija. Além do mais, o
ocidente vê tudo isso como jogo de soma-zero: se o ocidente ganha, a
Rússia perde.
Embora absolutamente não seja catastrófico, o rompimento dos atuais
laços econômicos que ligam Rússia e Ucrânia feririam mais gravemente a
Rússia, pelo menos no curto prazo. Além disso, o ocidente também crê que
a associação à União Europeia impediria, desde já, qualquer integração
posterior entre Rússia e Ucrânia. Parece-me que isso faça razoável
sentido, simplesmente porque nenhuma integração entre Ucrânia e Rússia é
ou será possível, enquanto os oligarcas ucranianos que hoje estão no
poder lá continuarem.
Qual o real objetivo do império anglo-sionista, na Ucrânia?
Pouco antes de Barack Obama livrar-se dela, Hillary Clinton fez um
comentário espantosamente franco sobre quais seriam os reais objetivos
do Império no Leste da Europa. Disse que:
“
Há um movimento para re-Sovietizar a região. Não terá esse nome. Vai
ser chamado de União Aduaneira, União Eurasiana e coisas assim. Mas não
nos deixemos enganar. Sabemos qual é o objetivo e estamos tentando
conceber meios efetivos para conter o movimento ou impedi-lo.”[1]
Simples, clara e direta. Até a expressão “re-Sovietizar” mostra que
Hillary e praticamente todas as elites ocidentais, ainda estão
completamente empacadas no paradigma de uma Guerra Fria segundo o qual
todos os movimentos que os russos façam são fatais e necessariamente ‘do
mal’; e que o ocidente e a Rússia estão empenhados em jogo de soma
zero. Pela lógica dessa gente, se a Rússia perder, não importa o que
perca, o resultado é altamente desejável para o ocidente.
E que melhor modo haveria para o Império – que quer “conter ou impedir”
qualquer integração entre Rússia e Ucrânia –, que oferecer à oligarquia
ucraniana um acordo de associação com a União Europeia, que nada
custaria à União Europeia e que inevitavelmente, dispararia uma guerra
comercial entre Rússia e Ucrânia?
Objetivos russos na Ucrânia
Os objetivos russos na Ucrânia são bem claros. Primeiro, a Rússia
entende que uma união aduaneira com a Ucrânia beneficiaria os dois
países. Segundo, a Rússia também espera que com o tempo, tal união
mutuamente benéfica, servirá para desinflar sentimentos antirrussos
(sempre ativos e estimulados pelas elites políticas ucranianas) e que a
Ucrânia pode vir a ser membro da futura União Eurasiana. Terceiro,
considerada a amarga experiência que teve com países da Europa Central,
estados do Báltico e a Geórgia, a Rússia espera, sem dúvida, impedir que
a Ucrânia converta-se em colônia do Império Anglo-sionista na Europa.
Por fim, a maioria dos russos crê que russos e ucranianos são ou uma só
nação ou, no mínimo, duas “nações irmãs” que partilham uma história
comum e cuja inclinação natural é viver em amizade e solidariedade.
Os objetivos russos na Ucrânia são realistas?
Ironicamente, a Rússia encara exatamente o mesmo problema na Ucrânia,
que o Império Anglo-sionista: a Ucrânia nas atuais fronteiras, é criação
absolutamente artificial. Praticamente não há quem discorde de que a
Ucrânia Ocidental e a Ucrânia Oriental têm objetivos quase
exclusivamente opostos. Em todos os planos – da língua, da economia, da
política, história, cultura – as partes oeste e leste da Ucrânia são
absolutamente diferentes uma da outra. O centro e a capital Kiev, é uma
mistura de leste e oeste; e o sul é entidade cultural única, diferente e
ainda mais diversa que o resto do país.
Algum estrategista de poltrona poderia sugerir que a solução ‘óbvia’
seria dividir a Ucrânia em duas ou mais partes e deixar que cada parte
escolhesse o que bem entendesse, mas essa ‘solução’ tem duas grandes
dificuldades: primeiro, partir em pedaços um país artificialmente
configurado é coisa extremamente perigosa de fazer (lembrem a Bósnia ou
Kosovo!); e segundo, não há absolutamente meio algum de conseguir que o
ocidente e seus fantoches ucranianos nacionalistas aceitem essa
‘solução’ (eles insistem até, que a Península da Crimeia seria parte
natural eterna da Ucrânia... apesar de ter sido doada por Khrushchev à
República Socialista Soviética Ucraniana, em 1954).
Além de tudo isso, creio que se devem necessariamente analisar muito
mais a fundo as consequências de uma integração da Ucrânia à
Rússia,antes de mergulhar em conclusões. Se de fato, a Ucrânia é uma
“grande Bósnia”, fará sentido para a Rússia trazer essa “grande Bósnia”
para junto de sua até aqui muito próspera união com Bielorrússia,
Cazaquistão e outros países do leste? Não argumento contra a evidência
histórica bem clara que mostra que a Ucrânia, a Bielorrússia, o
Cazaquistão são partes de um só corpo histórico/cultural. O que estou
dizendo é que a parte ucraniana desse corpo está acometida de uma forma
muito perigosa de gangrena e que não vejo meio pelo qual a Rússia e o
restante da (futura) União Eurasiana poderiam curar essa parte doente.
Embora alguns segmentos da economia ucraniana interessem potencialmente à
Rússia, a maior parte é desastre absoluto, sem qualquer chance de
reforma. Politicamente, a Ucrânia é um desastre em câmera lenta, onde
políticos corruptos combatem uns contra os outros pela chance de pôr as
mãos no dinheiro e no apoio dos oligarcas locais e de seus patrões
ocidentais. Socialmente, a Ucrânia é uma bomba-relógio que explodirá,
mais cedo ou mais tarde; e, embora a Rússia possa continuar a ‘resgatar’
a economia ucraniana com empréstimos sobre empréstimos, a coisa não
pode durar para sempre. Por fim, a Ucrânia ocidental é uma placa de
Petri onde se reproduzem todas as bactérias da histeria russofóbica,
muitas vezes mediante propaganda claramente neonazista, que jamais
aceitará qualquer acordo com os odiados Moskals (russos, ou “moscovitas”
pelo léxico nacionalista).
O que há de mais assustador, é que a atual configuração da Ucrânia está
fadada ao desastre, não importa quem prevaleça – o governo de Yanukovich
ou a oposição.
Basta ver o que os ‘liberais’ e os ‘democratas conseguiram no governo
dos oligarcas de Ieltsin: a economia russa foi ao colapso, o país quase
rachou em várias pequenas partes, ‘chefões’ mafiosos controlavam toda a
economia subterrânea, e oligarcas judeus literalmente pilharam a riqueza
da Rússia e a realocaram no exterior, enquanto a imprensa-empresa
estava ocupadíssima convencendo o povo russo de uma quantidade imensa de
mentiras e delírios. Hoje, exatamente o mesmo tipo de gente está
comandando o espetáculo na Ucrânia.
A grande diferença
Se examinar o que aconteceu nos últimos 20 anos, vê-se logo que a
Ucrânia meteu-se no atual pesadelo; e que Rússia, Bielorrússia e
Cazaquistão saíram-se muito melhor. A explicação passa por três
palavras:
Nazarbaev,[2]
Putin,
Lukashenko.[3]
Pus Nazarbaev em primeiro lugar, porque sempre foi a favor da
integração com a Rússia e seus aliados – o Cazaquistão jamais quis de
fato ser independente e foi literalmente empurrado para fora por
Ieltsin e seus aliados ‘democráticos’
Kravchuk e
Shushkevich.
Putin só apareceu na cena política uma década depois de Nazarbaev ter
tentado e feito tudo que pôde para manter um país pós-soviético único. E
Lukashenko é personalidade complexa e excêntrica, que segue política
estranhíssima em relação à Rússia: quer integrar a Bielorrússia com a
Rússia fortemente orientada para o mercado, ao mesmo tempo em que mantém
a Bielorrússia, economia e sociedade, numa situação de país
“neo-soviético”.
Justamente pelas muitas diferenças que os separam, Nazarbaev, Putin e
Lukashenko emergiram como três poderosas figuras que conseguiram pôr sob
controle os respectivos oligarcas locais e, assim, impediram que seus
países fossem convertidos em colônias anglo-sionistas. Mas na Ucrânia
não emergiu nenhum real líder local: todos, absolutamente todos os
políticos ucranianos são piada, perfeitos fantoches nas mãos de
interesses privados.
“Escolha civilizacional” para a Ucrânia? E vitória de Pirro para a Rússia?
Há quem na imprensa-empresa ocidental, esteja apresentando a decisão de
Yanukovich, de descartar quaisquer outras negociações sobre a associação
à União Europeia, como enorme vitória estratégica para Putin e a
Rússia. Pessoalmente, discordo. Embora seja verdade que graças a essa
decisão Yanukovich conseguiu adiar o colapso da economia ucraniana, o
movimento não passa de tática de adiamento, sem qualquer modificação
substancial. Além do mais, por mais que seja vital para a Ucrânia não
romper seus atuais laços econômicos com a Rússia, o mesmo não é verdade
para a Rússia, sobretudo no longo prazo. Claro que um colapso econômico
da Ucrânia seria péssimo também para a Rússia, que não precisa de seu
vizinho gigante despencado para um “cenário bósnio”, com o perigo da
Rússia ser também arrastada no turbilhão, o que quase inevitavelmente
aconteceria. Sim, mas... ter conseguido evitar o desastre iminente na
Ucrânia não é bem o que se pode chamar de “vitória estratégica” para
Putin.
Pode-se argumentar que a melhor opção para a Rússia seria tomar uma
tesoura gigante e cortar o mapa ao longo da fronteira entre Rússia e
Ucrânia, extrair dali o país e realocá-lo em algum ponto no meio do
Oceano Pacífico. Não sendo isso possível, a segunda melhor coisa a fazer
seria a Ucrânia se autorrecortar em seus componentes naturais e
integrar a Ucrânia do Leste à União Eurasiana. Infelizmente, essa
segunda via é tão impossível quanto a primeira. O que resta então para a
Rússia? Qual a opção “menos ruim”, da qual a Rússia pode tentar fazer o
melhor uso possível? Exatamente o que está fazendo hoje: tentando
impedir um colapso total da economia ucraniana, ao mesmo tempo em que
faz votos para que apareça por lá algum “Putin ucraniano”.
Um “Putin ucraniano” teria de ser alguém cuja prioridade absoluta fosse
varrer do país os oligarcas ucranianos; imediatamente depois disso,
teria de indicar claramente aos anglo-sionistas que não são
bem-vindos, com suas ambições de senhores coloniais; e em terceiro
lugar, trabalhar para conseguir o melhor acordo possível para o povo
ucraniano, numa futura União Eurasiana. Até aqui, não se vê nem sinais
de que figura desse tipo esteja emergindo na Ucrânia.
Em resumo, sim: a decisão de último minuto, pela qual Yanukovich mudou
de ideia e rejeitou a associação de seu país à União Europeia é boa
notícia para a Ucrânia e para a Rússia, mas não se pode dizer que seja
‘vitória’ para Putin ou para a Rússia.
Primeiro, eu não descartaria completamente a possibilidade de que
Yanukovich mude novamente de ideia (é homem sem princípios ou valores e
muda de ideia como muda de camisa). Segundo, já vimos que o Império está
em surto alucinado de raiva e fúria por conta do recente revés que
sofreu; e EUA e União Europeia não pouparão esforços para orquestrar
outra revolução em Kiev, Ucrânia. O mesmo vale para a oposição
ucraniana, que receberá agora quantia imensa de dólares do ocidente,
para criar o maior caos possível. Quanto ao povo ucraniano... só lhe
restará a opção de se manifestar em pesquisas de opinião que lhe
perguntam a pergunta errada.
Por fim, enquanto a atual oligarquia ucraniana permanecer no poder, não
há como alimentar esperanças de qualquer melhoria significativa, nas
condições de suplício em que vivem a Ucrânia e seu povo.
[2] Nursultan Äbişulı Nazarbaev, presidente do Cazaquistão, eleito em1991 e reeleito em 1999.
[3] Aleksandr Grigorievitch Lukashenko ou Łukašenka, presidente
daBielorrússia, eleito pela primeira vez em 1994 e várias vezes
reeleito.