Ameaças ao Brasil: Elas Existem (?)(!) – O Cenário Marítimo
O CENÁRIO MARÍTIMO
1 – Introdução
No
artigo anterior nos propusemos a verificar a assertiva de que não
existem ameaças ao Brasil e iniciamos nosso estudo pelo cenário
terrestre que nos é característico.
Neste segundo artigo, continuação do precedente, estudaremos o cenário de caráter marítimo que nos afeta.
Vale
dizer que esta divisão de cenários está sendo feita com o propósito de
facilitar nossa exploração, pois no caso da concretização de alguma
ameaça nossas Forças Armadas (FA) atuariam de maneira conjunta e não
separadamente.
Também
é importante recordarmos que estudamos, muito superficialmente, o que
significavam os termos “ameaça” e “crise”, e que uma crise pode ser
desencadeada propositalmente, por Estados, a fim de alcançar objetivos
políticos ou políticos-estratégicos de seu interesse. Estes objetivos
resultam de antagonismos definidos, já existentes e não criados do
imaginário e daí a importância de conhecermos os mesmos, as “ameaças”
com que teremos de lidar, de não permitimos o desencadeamento de uma
crise por não visualizarmos uma oportunidade que aparece para um suposto
adversário, de entendermos que uma questão que consideramos, no Brasil,
de menor importância, se mal negociada, pode ser usada para desencadear
um processo que pode levar a um conflito armado.
2 – As questões que envolvem diretamente o Brasil
a) A Questão Amazônica
Pode
parecer estranho principiarmos o estudo do cenário marítimo com um tema
que parece eminentemente terrestre, mas veremos que não é assim.
Mais uma vez vou utilizar-me do trabalho intitulado “DEFESA NACIONAL PARA O SÉCULO XXI – Política Internacional, Estratégia e Tecnologia Militar”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Em seu capítulo dois, intitulado “POLÍTICA DE DEFESA E SEGURANÇA DO BRASIL NO SÉCULO XXI: UM ESBOÇO HISTÓRICO”, de autoria do Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, lemos:
“Durante
mais de trezentos anos, as forças de terra foram os verdadeiros atores
de proteção e de ampliação do patrimônio territorial brasileiro. A
condição de “dissuasão por volume” – ou seja, por capacidade, mesmo que
no momento não implantada – implica que não temos risco próximo ou
distante de uma guerra em nossas fronteiras. Assim, no seu caráter geral
dissuasório, a política de defesa para as forças terrestres deveria ser
centrada na presença massiva em áreas como a Amazônia, que porventura
possam ser alvo de uma, ou mais, nações exteriores e mais poderosas. Neste
caso, a linha de frente de conflito envolvendo o Brasil seria no mar,
cabendo às forças terrestres a atuação tão-somente em caso de derrota
inicial de nossas defesas aeronavais no impedimento de um desembarque de forças adversas em território nacional.”
O trecho acima foi sublinhado pelo autor do presente artigo.
E mais adiante podemos ver:
“É
neste sentido que o MD entende a necessidade de se constituir uma série
de elementos reais, concretos, capazes – não exatamente de vencer ou
contra-atacar uma poderosa força-tarefa estrangeira que ameace a
integridade do território ou das riquezas nacionais, mas, sim, de meios
de infligir um sério dano a quem ameace a integridade nacional. Na
verdade, o programa de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras
implica a construção de um poder de dissuasão capaz de fazer difícil,
dolorosa e altamente custosa qualquer aventura bélica estrangeira que
ameace o país.”
A
importância deste texto (somado ao já transcrito no artigo anterior) é
enorme, não só pelo reconhecimento da existência de ameaças sobre a
soberania da Amazônia brasileira, mas, principalmente, por este
reconhecimento vir da Academia.
Qualquer ameaça à Amazônia virá pelo mar, com o objetivo de atingir os “Centros de Gravidade” brasileiros, que não estão na selva.
São eles a população brasileira, 80% localizada em uma faixa que dista
cerca de 200 km do litoral; a produção industrial nacional, também 93%
concentrada na mesma faixa litorânea; a infra-estrutura das principais
cidades brasileiras, todas localizadas a beira-mar; e o centro de poder
político do país, a cidade de Brasília, ao alcance das modernas armas
navais.
Podemos
entender, desta maneira, a determinação do poder político da nação à MB
para a criação de uma 2ª Esquadra, a ser localizada nas proximidades da
foz do Amazonas.
É
missão da Marinha do Brasil (MB) interditar qualquer Força-Tarefa
inimiga o mais longe possível de nossas águas jurisdicionais. É à MB que
cabe dar o primeiro combate, posicionar-se na vanguarda contra qualquer
ameaça que venha pelo mar.
Que nossos decisores políticos possam compreender este fato.
b) A delimitação da fronteira leste brasileira
Quando
tratamos de delimitação de fronteiras tendemos imediatamente a pensar
no Barão do Rio Branco e em todos os tratados e acordos fronteiriços
assinados com os países vizinhos.
Mas poucos se lembram da fronteira leste, a fronteira marítima, a que está sendo definida pela atual geração de brasileiros.
Os dados utilizados a seguir foram retirados da página da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM)[1].
“O
Brasil completou 500 anos de descobrimento, com suas fronteiras
terrestres devidamente fixadas e reconhecidas, resta ainda ao país a
tarefa de determinar o seu último limite jurídico – A Plataforma
Continental – para concluir a obra do traçado definitivo da base física
da Nação.”(Conselheiro Figueiredo)
A
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), da qual o
Brasil é signatário, prevê que cada país deva apresentar o pedido de
ampliação de sua Plataforma Continental (PC) no prazo de dez anos,
depois de haver ratificado a referida convenção. O Brasil ratificou a
mesma em novembro de 1994 e, em 2004, entregou o pedido de extensão da
PC. De 2004 a 2006, uma Comissão de Limites da Plataforma Continental
(CLPC) da ONU, com sete peritos, avaliou a proposta brasileira em várias
reuniões. No fim de março de 2006 o Brasil fez sua defesa final na ONU
e, em abril de 2006, a CLPC formulou suas recomendações, informando que
aceitava 75% do que o Brasil pleiteara.
Com
esse estudo, o Brasil provou que a PC brasileira, que é o prolongamento
natural da massa terrestre de um Estado costeiro, é de 350 milhas em
áreas da Guiana até Natal e do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, e
não só as 200 milhas a que todos os países podem ter direito. Essa é a
chamada Amazônia Azul, área maior que a Amazônia Verde.
A área pleiteada pelo Brasil e não aceita pela CLPC corresponde a 190.000 km² e pode ser visualizada em vermelho no mapa abaixo.
Como
consequência desta não aceitação, a CIRM, na sua 168ª Sessão Ordinária,
decidiu que fosse elaborada uma Proposta Revisada de Limite Exterior da
Plataforma Continental Brasileira além das duzentas milhas, a ser
oportunamente encaminhada à CLPC, respondendo todos os questionamentos e
provando cabalmente a posse pelo Brasil da área pleiteada.
Sem
dúvida a definição do limite exterior da plataforma continental será um
legado de fundamental importância para o futuro das próximas gerações
de brasileiros, que verão aumentadas as possibilidades de descoberta de
novos campos petrolíferos, a exploração de recursos da biodiversidade
marinha, que a ciência atual reconhece como um dos campos mais
promissores do desenvolvimento da biogenética, e de exploração de
recursos minerais em grandes profundidades, ainda não viáveis
economicamente.
Mas
não devemos esquecer que existem países que não são signatários da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os Estados Unidos e a
Venezuela, por exemplo. Isso significa que, em princípio, eles não
reconhecem a Zona Econômica Exclusiva, onde está a maior parte do
pré-sal – e muito menos a parte que fica fora, na PC.
Em
3 de setembro de 2010, o Diário Oficial da União publicou uma tomada de
posição pelo Estado brasileiro que, por meio da Resolução Nº 3, de 26
de agosto de 2010, anunciava que independentemente de o limite exterior
da PC além das 200 milhas náuticas não ter sido definitivamente
estabelecido, o Brasil tem o direito de avaliar previamente os pedidos
de autorização para a realização de pesquisa na sua PC além deste
limite, tendo como base a proposta de limite exterior encaminhada à
CLPC, em 2004, e publicada na página eletrônica da ONU.
Vale lembrar que os campos do pré-sal em processo de descoberta aproximam-se cada vez mais do limite das 200 milhas originais.
Esta
é uma questão de Estado, do legado que deixaremos para as próximas
gerações de brasileiros, uma questão enfrentada por nossos antepassados
no que se refere às fronteiras terrestres e na qual não podemos
tergiversar, não podemos recuar, sob pena de perdermos os recursos
vitais descobertos e por descobrir.
c) A busca por recursos naturais
No mesmo texto do Professor Francisco Carlos, anteriormente citado, podemos ler:
“O
fantástico crescimento de novos pólos de poder, baseados em vastas e
intensas economias industriais (como na Ásia Oriental, na Ásia Central e
no Sudeste Asiático) exerce uma inédita pressão sobre os recursos
naturais do planeta. Assim, água potável, energia e alimentos são fontes
fundamentais de poder nas relações entre as nações na Nova Ordem
Mundial.”
Continuando:
“O
Brasil possui cerca de 12% de todas as reservas mundiais de água
potável no planeta – sem referência aos lençóis freáticos – o que
permite, entre outros processos, uma brilhante agricultura industrial.
Os chamados Complexos Agroindustriais (CAI) combinam, no Brasil, a
oferta de boas terras, água e insolação abundantes com uma moderna
indústria motomecânica, indústria química e centros de pesquisa de
excelência, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa).
Assim,
somos uma potência mundial na produção de alimentos, enquanto outros
países e continentes, como a República Popular da China ou a África, não
conseguem produzir o mínimo necessário para manter suas populações
alimentadas.
Desta
forma devemos garantir a segurança de nossas áreas agrícolas, a
integridade do território e, fundamentalmente, a segurança de portos –
incluindo aí a emergência da chamada “nova pirataria” – e de rotas
marítimas de transporte de tais riquezas.”
E mais:
“Da
mesma forma, a produção de energia no país é cada vez maior, combinando
a busca de autonomia energética – possível através do sistema swap de
tipos de petróleo (a produção brasileira em 2007 foi de 2,28 milhões de
barris/dia, o que nos colocou então como o 15º produtor mundial) – com a
junção de grandes obras de hidrelétricas, baseadas em tecnologia não
agressiva, como no Rio Madeira, Rondônia (no conjunto do país, a
produção de energia elétrica é de 40,47 bilhões de kW em 2007), as
descobertas do chamado pré-sal e a crescente identificação de jazidas de
urânio e outros minerais radioativos. Boa parte de tais riquezas ou
está localizada junto ao litoral, como a usina de Angra dos Reis e
muitas refinarias, ou necessitam de transporte – via navios ou dutos –
dependentes do mar.”
Os
autores contemporâneos concordam que o controle das fontes de água
potável será um dos principais motivos de conflitos no século XXI.
A revista NATURE,
edição de agosto de 2012, apresenta um quadro em que cerca de 25% dos
habitantes da Terra vivem em regiões onde as reservas subterrâneas de
água são superexploradas.
Segundo a mesma:
“Os
países que mais superexploram as reservas de água subterrânea são
Estados Unidos, Índia, China, Paquistão, Irã, Arábia Saudita e México, e
as maiores populações que sofrem as consequências são da Índia e da
China”
O
Brasil, como citado no texto publicado pelo IPEA, além de possuir 12%
de todas as reservas mundiais de água potável do planeta, na superfície,
ainda possui imensas reservas subterrâneas.
Nosso
país é um dos maiores produtores de proteína animal e vegetal do mundo,
possuindo reserva de terras que permitem expandir enormemente a
presente produção.
Atualmente
somos o segundo maior fornecedor mundial deste tipo de recurso, atrás
apenas dos Estados Unidos (USA), mas devendo ultrapassá-lo até 2021[2], com a produção nacional crescendo 23% e acarretando o aumento de 9,5% de novas áreas cultivadas.
Segundo o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento[3]:
“Os
organismos internacionais têm levantado a existência de uma população
de 1 bilhão de pessoas que ainda passam fome. O Brasil tem potencial
para se tornar o maior fornecedor de proteína animal e vegetal do
mundo.”
Não somente em terra vemos esta imensa capacidade brasileira.
A Produção de alimentos marinhos quase triplicou em 10 anos no Brasil.
O
petróleo e o gás natural são duas grandes riquezas extraídas de nosso
mar e das quais somos extremamente dependentes. O Brasil prospecta, no
mar, cerca de 90% de seu petróleo. Não é só o valor financeiro que deve
ser levado em conta pois, privados desse petróleo, a decorrente crise
energética e de insumos paralisaria, em pouco tempo, o País. O petróleo
proveniente do mar é uma riqueza, portanto, vital para o Brasil. Quanto
ao gás descoberto em nossa plataforma continental, o mesmo permitirá a
diminuição progressiva de nossa dependência externa deste insumo.
O
Brasil, com a entrada em operação dos campos petrolíferos localizados
no pré-sal, tornar-se-á um dos grandes produtores mundiais de energia.
Será
que em um mundo sedento, de água e de energia, faminto, por proteína
animal e vegetal, não devemos nos precaver para que os bens produzidos
por brasileiros, com tanto sacrifício, sejam preservados, ou
disponibilizados de acordo com nossa vontade?
Mas
caso a opção militar seja tomada, contra o Brasil, a fim de que estes
insumos sejam colocados a disposição de uma potência estrangeira,
devemos estar conscientes de que a ameaça virá pelo mar.
O Professor Francisco Carlos, na obra já aludida, levanta esta hipótese da seguinte maneira:
“Uma
ameaça bélica, de caráter letal, viria necessariamente de potências tão
ou mais fortes que o Brasil e através do Oceano Atlântico. O modelo de
ação britânica na Guerra das Malvinas, em 1982, é muito possivelmente a
forma padrão como agiria uma força-tarefa estrangeira, de um ou mais
países.”
Comentando a hipótese citada, podemos ler:
“Uma
agressão de tal tipo combinaria o poder naval e aéreo numa ação de
apropriação do espaço aeronaval brasileiro, a anulação das contramedidas
brasileiras e, por fim, uma operação anfíbia de desembarque. A área
entre a foz do Oiapoque, no Amapá, e a Baía de São Marcos, no Maranhão
é, muito possivelmente, a área mais frágil, a janela de oportunidades,
para uma força agressora estrangeira contra o país.
Outro
cenário possível, ainda de forma punitiva contra o Brasil, seria uma
operação de apossamento das Águas Jurisdicionais Brasileiras – com seus
4,4 milhões km², incluindo aí as explorações offshore de gás e petróleo.
Nestes
casos, a política de dissuasão possui um papel central. Ao apresentar
ferramentas capazes de dissuadir o hipotético agressor, o país estaria
evitando uma tragédia altamente custosa, capaz de causar um dano alguns
milhares de vezes mais caro que o valor do reaparelhamento das Forças
Armadas. Caso o agressor insista em fazer uma demonstração de força,
passar-se-ia para a etapa complementar da Política de Defesa Nacional: a
capacidade de resposta rápida. A política de reaparelhamento das Forças
Armadas nacionais volta-se, desta forma, para cumprir com estes dois
compromissos complementares da Política de Defesa Nacional: dissuadir a
agressão externa e projetar poder através de uma pronta resposta em caso
de necessidade. Ora, a escolha das ferramentas adequadas depende
inteiramente desta formulação. Foi assim que se chegou ao conjunto de
bens militares em fase inicial de aquisição pelo Brasil.
Submarinos
convencionais (diesel/eletricidade) são armas defensivas fundamentais,
guardiães das chamadas “águas marrons”, trecho costeiro, junto ao
offshore brasileiro. O submarino nuclear, por sua vez, é uma arma
ofensiva, de imensa capacidade de ocultamento e de rápido deslocamento,
podendo manter-se quase infinitamente submerso – apenas a fadiga da
tripulação é um limite –, capaz de patrulhar a imensidão da Amazônia
Azul e criar um fator de limitação à aproximação de uma força-tarefa
agressora. A combinação de submarinos convencionais e submarino de
propulsão nuclear cria as condições ideais de defesa do imenso litoral
brasileiro, oferecendo eficaz fator dissuasório, com a negação do mar,
em condições de alta tecnologia, à força agressora. Da mesma forma, a
aquisição de helicópteros e modernos aviões de caça negaria o acesso ao
espaço aéreo nacional, protegendo instalações, plantas e depósitos
estratégicos à defesa nacional.”
A exposição não poderia ser mais clara.
Aquele que tiver olhos de ver que se esforce para enxergar.
d) A disputa pela “Área”
Vamos
tratar com mais profundidade um assunto que poderia estar inserido no
item c) acima, mas que por sua importância merece um estudo mais
acurado.
Segundo a CNUDM, os Estados Costeiros tem direito a um Mar Territorial, a uma Zona Contígua, a uma Zona Econômica Exclusiva e a uma Plataforma Continental
(se esta existir), além de deveres no que diz respeito à exploração dos
recursos minerais do leito marinho situado além dos limites de suas
áreas de jurisdição, e que incluem os denominados Alto Mar e Zona Internacional do Leito Marinho, ou simplesmente Área.
“A
Área, por sua vez, corresponde aos fundos marinhos e oceânicos situados
além dos limites da jurisdição nacional e é definida como “patrimônio
comum da humanidade”, permitindo que todos tenham condições iguais de
acesso e uso de seus recursos minerais. A organização e o controle das
atividades visando ao aproveitamento dos recursos minerais localizados
na Área são controlados pela denominada Autoridade Internacional dos
Fundos Marinhos (AIFM)que tem a responsabilidade de garantir que a
utilização dos fundos marinhos traga benefícios efetivos a toda a
humanidade. A AIFM é uma organização internacional independente, através
da qual os Estados – partes na Convenção sobre o Direito do Mar regulam
a explotação e o aproveitamento dos recursos dos fundos marinhos, em
conformidade com a Convenção de 1982, modificada pelo Acordo de 1994.
A
Autoridade estabelece também regras e procedimentos específicos para a
exploração e explotação minerais, sendo um dos primeiros, de sucesso,
relacionados aos nódulos polimetálicos, contendo cobre, níquel, cobalto,
manganês e outros elementos. Essas regras, que abrangem dispositivos de
proteção ambiental, estão registradas no Anexo III da Convenção e
constituem-se na base legal para análise e aprovação de planos de
trabalho para a exploração e mineração dos citados nódulos. Até 2007,
oito agências governamentais haviam submetido à Autoridade planos de
trabalho para operações em zonas de nódulos polimetálicos nos oceanos
Pacífico e Indico.
Os sulfetos polimetálicos e as crostas cobaltíferas estão sendo motivo da regulamentação ainda em elaboração pela Autoridade.”[4]
Nódulos
polimetálicos são, basicamente, concentrações de óxidos de ferro e
manganês, com significativas concentrações de outros elementos
metálicos, economicamente importantes, como níquel, cobre e cobalto; as
crostas cobaltíferas constituem-se num outro tipo de recurso mineral
metálico que incorpora metais de origem continental e marinha,
encontrados em todos os oceanos do mundo, precipitando a partir das
massas de águas profundas em forma de camadas delgadas (de até 25
centímetros de espessura) sobre rochas vulcânicas de montes submarinos e
cordilheiras vulcânicas submergidas a profundidades de 400 a 4.000
metros; e os sulfetos polimetálicos constituem-se em mais uma variedade
de recurso mineral existente do fundo do mar. Descobertos em 1979, os
sulfetos se depositam ao redor das fontes de águas termais situadas nos
fundos marinhos sendo aquecidas pelas colunas de magma (rocha fundida)
que ascendem por debaixo de uma cordilheira vulcânica submergida. O
encontro da água quente sulforosa com a água do oceano, que se encontra
em temperaturas próximas aos dois graus centígrados, produz a
precipitação sobre a superfície dos fundos marinhos.
A figura abaixo nos mostra a coleta de nódulos polimetálicos:
Esta outra foto nos mostra um depósito de sulfetos:
A
partir de 1994, sete empresas de mineração submeteram à Autoridade, de
acordo com os termos da Convenção, os seus planos de trabalhos para
exploração de nódulos polimetálicos, recebendo o status especial de
investidores pioneiros na exploração dos nódulos e, com isso, receberam
alguns privilégios:
- O Department of Ocean Development – DOD , do governo indiano;
- O
Institut Français de Recherche pour l’Exploitation de La Mer e a
Association Française pour l’Étude et La Recherche des Nodules, da França;
- A Yuzhmorgeologiya, da Rússia;
- Deep Ocean Resources Develoment Co. Ltd, do Japão;
- A China Ocean Mineral Resources Research and Develoment Association – COMPRA, da China;
- A Korean Deep-sea Resources Research Center – KORDI, da Coréia do Sul; e
- O Interoceanmetal Joint Organization, reunindo instituições da Polônia, Bulgária, Checoslováquia, Eslováquia, Cuba e Rússia.
Como
investidores pioneiros, eles obtiveram o direito de reivindicar até
150.000 km² de área a pesquisa (o dobro dos demais), devendo, no
entanto, no período de 8 anos, restituir o restante à Autoridade.
Em
2005, a Alemanha solicitou à Autoridade, através do seu Instituto
Federal de Geociências e Recursos Naturais – BGR, outra área de
exploração para nódulos polimetálicos no Oceano Pacífico, área essa que
somada àquela requisitada pelos sete investidores pioneiros, atinge
quase 2 milhões de km², ou mais de 23% da superfície territorial do
Brasil.
Como consequência, o Oceano Pacífico já foi dividido entre estas empresas, que o retalharam com o propósito de exploração.
Agora, os olhares se voltam para o Atlântico.
Na ZEE de responsabilidade do Brasil já estão mapeados imensos recursos a serem explorados:
Com
tais recursos mapeados, é normal que nosso País tenha um enorme
interesse em adquirir o conhecimento necessário para a explotação de
recursos minerais em sua ZEE e Plataforma Continental, e um interesse
secundário na região da Área. Esse interesse secundário, no entanto, não
exime o País de atuar no sentido de assegurar seus direitos à mineração
futura nessa região, antes que ela seja totalmente requerida por outros
países.
Observe-se
que já está estabelecido mais um conflito entre a Inglaterra e a
Argentina. No último dia 11 de maio de 2011, o Reino Unido requereu
formalmente uma vasta extensão do fundo do Atlântico Sul rico em óleo e
minerais, na região das Ilhas Falklands, Georgia do Sul e Ilhas
Sandiwch, desafiando a oposição argentina, segundo notícia do Greenpeace[5].
Esse requerimento foi submetido à Comissão das Nações Unidas para os
Limites da Plataforma Continental duas semanas depois que o governo da
Argentina registrou seu pedido para estender o controle sobre área quase
idêntica área do território submarino.
Além
da sobreposição de pedidos da Argentina e Inglaterra, outro conflito se
estabeleceu também entre a França e o Canadá envolvendo os fundos
oceânicos ao redor de St. Pierre e Miquelon, um pequeno arquipélago
localizado na altura de Newfoundland.
Enfim,
já houve a largada para a posse efetiva das áreas das Plataformas
Continentais, expandidas ou não, e um grande número de países, além dos
Investidores Pioneiros no conceito da Convenção, já começam a se
movimentar para assegurar direitos sobre áreas internacionais ou na
denominada Área, demonstrando
a irreversibilidade do processo de mineração nos fundos oceânicos, a
começar pela obtenção de fontes de energia – petróleo, gás natural,
hidratos – estendendo-se para os nódulos e sulfetos polimetálicos e
crostas cobaltíferas e outros que certamente virão a ser descobertos.
Afetando-nos diretamente, existe o interesse internacional na chamada “Elevação do Rio Grande”.
A
Elevação do Rio Grande é uma elevação assísmica isolada, de caráter
vulcânico, sem ligações com o continente sul-americano, localizada entre
as latitudes 34º e 28ºS e as longitudes 28º e 40ºW, na zona
internacional do leito marinho, constituindo-se em um dos mais
expressivos elementos estruturais do Atlântico Sul. Estudos conduzidos
por entidades estrangeiras nessa região revelam a presença de crostas
cobaltíferas associadas a montes submarinos e guyots que ascendem à
crista da elevação, entre as profundidades de 800 e 1.500 metros.
Alguns
países como Rússia, Alemanha e Estados Unidos já mostraram interesse
nas crostas cobaltíferas da Elevação do Rio Grande. Sob o ponto de vista
científico, ambiental, econômico, político e estratégico, o Brasil tem o
interesse de conhecer e avaliar a potencialidade de recursos minerais
adjacentes à sua plataforma continental. Para tanto, foi elaborado o
Projeto PROERG – Geologia marinha e da potencialidade mineral da
Elevação do Rio Grande[6].
Desta
maneira, devemos nos preparar para disputar esta fonte de recursos,
vital para o futuro da humanidade, principalmente as localizadas
próximas ao Brasil e presenciarmos outros pleitos, que podem gerar
conflitos, nos afetando, nas águas do Atlântico Sul[7].
e) A Iniciativa da Bacia do Atlântico (IBA)
A chamada IBA teve origem em um trabalho acadêmico dos professores Daniel S. Hamilton e Frances G. Burwell, intitulado “Shoulder to Shoulder: Forging a Strategic U.S.-EU Partnership” e encampada pela OTAN, tendo em vista a proposta de expansão de sua área de atuação.
Segundo Hamilton e Burwell[8]:
“O
bem-estar das pessoas em toda esta vasta região é cada vez mais
influenciado pelos fluxos inter-relacionados de pessoas, dinheiro e
armas, mercadorias e serviços, energia e tecnologia, toxinas e terror,
drogas e doenças. Questões específicas para as nações da Bacia do
Atlântico merecem um atenção concertada. Esta nova dinâmica deve levar os líderes a apagar a linha entre o Atlântico Norte e Sul, considerando-se formas de trabalhar mais eficazmente em conjunto.”
O trecho acima foi sublinhado pelo autor do presente artigo.
A
proposta de “apagar a linha entre o Atlântico Norte e Sul” não leva em
consideração as realidades distintas dos países que compõem as duas
Bacias, seja política, geopolítica, econômica, militar, etc.
O
nível de desenvolvimento entre os países envolvidos é tão díspare e a
relação de poder entre os mesmos é tão desequilibrada, que a balança
deste relacionamento sempre estará pendendo para um lado.
Seguimos citando os dois autores:
“Energia é uma questão chave a conectar os povos da Bacia do Atlântico. Esta região inclui os maiores consumidores e produtores de energia do mundo e os maiores emissores de gases de efeito estufa. Os Estados Unidos dependem consideravelmente mais da Bacia do Atlântico para importação de energia do que do Oriente Médio. A Europa e América do Norte necessitam de acesso livre e seguro aos recursos disponíveis na América Latina e África, assim como aqueles dois continentes requerem acesso aberto e seguro para os mercados europeus e norteamericanos…”
O trecho acima também foi sublinhado pelo autor deste artigo.
No
mesmo podemos ver as máscaras caírem quando, claramente, a questão da
energia e do livre acesso aos recursos existentes nos países do
Atlântico Sul é explicitada.
Os dois autores prosseguem:
“A África é um importante fornecedor mundial de petróleo, gás e outras commodities,
contudo, ainda permanece vulnerável ao vírus HIV e à AIDS, à ruptura
econômica, às tensões populacionais, aos conflitos civis, à corrupção e à
não governança. Muitos Estados não têm capacidade para acabar com
células terroristas, impedir o tráfico de armas, drogas ou pessoas, ou
fornecer segurança interna. A estabilidade de algumas regiões da África
Ocidental está sendo solapada por drogas provenientes da América Latina.
Enquanto os africanos estão assumindo mais de suas responsabilidades
com sua própria segurança, europeus
e norteamericanos são chamados a prestar assistência emergencial e
promoção de desenvolvimento, empregar e treinar forças de paz, e mediar
conflitos.”
Mais uma vez o autor do presente artigo sublinhou o texto acima.
O
reconhecimento de que a África é uma fornecedora de commodities não é
uma grande notícia. O interessante é lermos que, mesmo com os africanos
assumindo responsabilidades com sua segurança, há um oferecimento que
pode acarretar a presença de tropas oriundas de fora do continente na
África. Aqui vale lembrar a criação do U.S. AFRICA COMMAND (AFRICOM).
A
fim de se disseminar e discutir a IBA, os professores propuseram a
criação de um “Grupo de Pessoas Eminentes”. Nesse sentido, em outubro de
2010, o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi convidado como
representante brasileiro, para uma mesa redonda sobre a IBA, realizada
no Centro de Relações Transatlânticas da Universidade Johns Hopkins, em
Washington-DC, nos EUA, na qual adotou uma firme posição contrária ao
proposto.
Em
2010 ocorreu no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, Portugal, um
seminário sobre o futuro conceito estratégico da OTAN, onde o interesse
pelo Atlântico Sul voltou a preocupar os condutores estratégicos daquela
organização. Mais uma vez o então Ministro Jobim, convidado para o
encontro, posicionou-se contra a iniciativa.
O
Novo Conceito Estratégico da OTAN foi divulgado ao final da Cimeira de
Lisboa, realizada entre 19 e 20 de novembro de 2010, na qual
participaram Chefes de Estado e de Governo de países membros da Aliança
do Norte não trazendo o documento quaisquer referências à IBA, ao
Atlântico Sul, à África ou à América do Sul.
Porém, outro documento, intitulado “OTAN 2020: segurança assegurada, engajamento dinâmico”, elaborado por um grupo de especialistas, analisa e propõe recomendações em relação ao Novo Conceito Estratégico da OTAN.
Nele podemos ler:
“As ameaças mais prováveis para os Aliados na próxima década são não convencionais.
Três, particularmente, se sobressaem:
1) um ataque de mísseis balísticos (quer com armas nucleares ou não);
2) ataques de grupos terroristas internacionais; e
3) ataques cibernéticos de diferentes graus de severidade.
Uma
série de outras ameaças também representam um risco, incluindo
interrupções do fornecimento de energia e linhas marítimas, os efeitos
nocivos conseqüências da mudança climática global, e da crise financeira.”
O trecho acima foi sublinhado pelo autor do presente artigo.
Mais
uma vez o tema energia, somado a duas novas questões, as linhas
marítimas (Linhas de Comunicação Marítimas) e a mudança climática
global, vem à tona. São temas que podem gerar intervenção da organização
em questão, e que nos afeta diretamente.
Que
nossos condutores políticos não descuidem do assunto e, mais ainda, de
garantir os meios que permitirão a dissuasão de qualquer tentativa de
“diplomacia militar” contra o Brasil, que seria implementada, como já
vimos, pelo mar.
f) A Pirataria no Golfo da Guiné
A
pirataria nos mares nunca desapareceu completamente, mas foi a partir
dos eventos no “Chifre da África”, notadamente nas proximidades da
Somália, que recolocaram o assunto na mídia internacional.
Porém,
em área próxima ao Brasil, no Golfo da Guiné, este evento vem
recrudescendo, transformando aquela área em uma das mais perigosas do
mundo.
Em
julho de 2011, o presidente Boni Yayi, do Benin, enviou ao
Secretário-Geral das Nações Unidas uma carta exprimindo preocupação em
virtude de seu país estar sendo ameaçado pelas atividades dos piratas,
que afugentavam os navios dos portos dos quais dependem as receitas do
país, e solicitava ajuda internacional semelhante àquela disponibilizada
ao longo da costa da Somália.
A
carta colocou na agenda mundial o assunto da pirataria ao longo da
costa da África Ocidental. Os ataques continuam e ainda se agudizam no
Benin e nos países vizinhos, tais como a Nigéria.
As
consequências mais visíveis do fenômeno são o aumento do custo dos
seguros marítimos e o desvio na rota dos grandes navios mercantes (NM),
notadamente os petroleiros, acarretando mais tempo de viagem e maiores
gastos no transporte de carga.
A
consequência indireta é a presença de navios de guerra no Atlântico Sul
para garantir a segurança dos NM, presença esta indesejável no ponto de
vista brasileiro.
A MB tem consciência deste problema e age para confrontá-lo.
O
Plano de Articulação e Equipamento da MB (PAEMB) prevê a aquisição de
12 Navios Patrulha Oceânicos (NaPaOc), com grande capacidade de
permanência no mar e possuidores de armamento compatível com a ameaça.
Estes navios terão autonomia para operarem na citada área.
Por
ocasião da incorporação e vinda para o Brasil do NaPaOc “Amazonas”,
adquirido por oportunidade no Reino Unido (UK), o mesmo cumpriu uma
programação de visita aos países da costa oeste africana.
Uma preocupação brasileira, evidente, é o transbordamento desta atividade para a América do Sul.
Esta é uma questão atualíssima e que demanda ação, demanda capacidade de decisão de nossos condutores políticos.
g) A Vulnerabilidade das Plataformas de Petróleo
Atualmente
estão em operação nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) 133
plataformas (86 fixas e 47 flutuantes) da Petrobras, com cerca de 30.000
brasileiros e estrangeiros envolvidos na condução das mesmas.
Já sabemos que o Brasil prospecta no mar cerca de 90% de seu petróleo, sendo extremamente dependente desta atividade.
Mas a quais ameaças nos referimos quando propusemos este item?
Mais uma vez a o Professor Francisco Carlos nos auxilia, apresentando dois cenários, na seguinte ordem de probabilidade:
1)
Ação do crime organizado, em especial do narcotráfico, contra
instalações do offshore, em virtude de retaliações por medidas dos
governos estaduais e federal no combate ao tráfico. Pela experiência
acumulada e grau de sofisticação do narcotráfico no continente – uso de
helicópteros, minisubmarinos, derrubada de aeronaves, ataques aos postos
de autoridades, incêndios criminosos e uso de armas de grosso calibre e
de porte exclusivo das Forças Armadas –, não se pode descartar uma
represália espetacular contra instalações vitais do país. Devemos ainda
destacar que a presença do narcotráfico é hoje constatada em vários
pontos das instalações portuárias e de exploração econômica oceânica.
2)
Represália de uma nação ou mais contra as instalações do offshore em
virtude de políticas brasileiras que contrariem algum instituto,
dispositivo ou políticas de seus interesses. Ou, então, ação negando o
uso econômico do mar em áreas não pacificamente aceitas como patrimônio
econômico nacional. O caso das ações do Irã contra a exploração do
offshore no Mar Cáspio ou da Rússia “fechando” superfícies inteiras no
Mar Ártico, embora exemplos limite, são antecedentes reais. De qualquer
forma, não há, ainda, uma aceitação universal dos critérios
estabelecidos a partir da Conferência das Nações Unidas sobre os
Direitos do Mar (Conferência da Jamaica, em vigor a partir de 1995). As
exigências brasileiras encontram resistência por parte de países de
grandes marinhas, como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Noruega.
Uma
ação contra uma plataforma acarretaria consequências negativas
imediatas para a economia nacional, além de políticas, militares e
ambientais.
Os
dados utilizados para compor este item são públicos, foram encontrados
em fontes abertas, estando disponíveis para planejamentos contrários por
aqueles que materializariam uma “ameaça assimétrica”, ou por Estados,
que materializariam uma ameaça militar convencional contra o Brasil.
A
MB possui uma unidade de forças especiais, o Grupamento de
Mergulhadores de Combate, treinada exaustivamente na retomada de
plataformas.
Mas
a principal defesa das mesmas é a dissuasão, a patrulha incessante nas
áreas de exploração, a existência de navios capacitados, com tripulação
treinada, motivada, consciente da sua importância para o país.
Mais
uma vez a dependência de ações da área governamental se faz visível,
sendo as mesmas imprescindíveis na defesa de tão vital investimento
brasileiro.
3 – As questões que poderiam afetar o Brasil
a) As ilhas britânicas do Atlântico
O UK possui territórios ultramarinos no Atlântico Sul que permitem o exercício do controle do mesmo.
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