O Colapso da Autoridade americana
Artigo: ruptura da disciplina partidária, combinada à ascensão de ideologia extremista, é a causa da crise atual
14 de outubro de 2013 | 2h 09
Fareed Zakaria* - O Estado de S.Paulo
Na tentativa de explicar como Washington entrou no atual
imbróglio, alguns se concentraram na ideologia. Analistas e políticos
observam que o país ficou mais polarizado, assim como os partidos
políticos, em particular o Partido Republicano. Esse diagnóstico é
preciso, mas outra causa distinta da crise atual poderá ter efeitos
ainda mais duradouros: o colapso da autoridade, em especial dentro do
Partido Republicano, o que significa que ameaças e crises poderão ser a
nova norma da política americana.
Superficialmente, o comportamento dos republicanos hoje se parece
muito ao de 1995 e 1996, quando o partido adotou uma posição forte e
ideologicamente orientada, moldada e dirigida pelo presidente da Câmara,
Newt Gingrich, do começo ao fim. Hoje, o presidente da Câmara, John
Boehner, ao contrário, está mais seguindo do que liderando. Nos anos 90,
a crise foi mais fácil de resolver porque Gingrich tinha o poder de
falar pelo seu lado. Boehner teme que, se tiver de fazer um acordo,
perderia o emprego. E ele tem razão de se preocupar: os membros do Tea
Party advertem seguidamente Boehner para não fazer um acordo sobre o
Obamacare, orçamento ou imigração.
O que está havendo é muito diferente do movimento "Contrato com a
América" dos anos 90. O Tea Party é um movimento de base de pessoas
profundamente insatisfeitas com a evolução social, cultural e econômica
dos Estados Unidos em várias décadas. É crucial entender que eles culpam
ambos os partidos por essa degeneração. Numa pesquisa Gallup recente,
espantosos 43% de ativistas do Tea Party revelaram uma opinião
desfavorável sobre o Partido Republicano; somente 55% tiveram uma
opinião favorável. Eles se veem como insurgentes dentro do partido e não
como membros leais. A ruptura da disciplina partidária combinada com a
ascensão de uma ideologia extremista são as forças gêmeas que estão
propelindo a crise atual.
Isso explica por que o Partido Republicano tem parecido tão
indiferente a suas bases de poder tradicionais, como a grande empresa.
Parte do problema é que as empresas têm sido lentas em reconhecer o
quanto o Tea Party é extremista. (Elas continuam presas a uma narrativa
antiga, em que seu grande medo é democratas vinculados a sindicatos).
Mas mesmo que a grande empresa consiga se organizar, não está claro
se os radicais na Câmara de Representantes se importariam. Suas fontes
de apoio, financiamento e exposição na mídia devem pouco à Câmara de
Comércio.
Essa é uma inversão notável. O Partido Republicano era um partido que
acreditava em hierarquia. Os democratas eram a coalizão frouxa de
interesses diversos com pouca disciplina partidária. Nas três últimas
décadas, os democratas indicaram principalmente outsiders - George
McGovern, Jimmy Carter, Bill Clinton, Barack Obama. Os republicanos, com
algumas exceções, tendem a indicar o cara que esperou a sua vez -
George H. W. Bush, Bob Dole, John McCain, Mitt Romney. E hoje os
republicanos estão dominados pelo Tea Party, que não tem estrutura
organizada, plataforma, hierarquia, ou líder.
Essa história começou nos anos 1970: à medida que as primárias políticas proliferavam, os establishments partidários declinavam.
(Aconteceu primeiro com os democratas, o que pode explicar porque
estamos vendo essa reação retardada na direita). Entretanto, mudanças
tecnológicas e organizacionais mais recentes aceleraram a mudança
facilitando para outsiders levantar recursos, conseguir acesso a mídia
gratuita, e estabelecer conexões diretas com eleitores. Em seu livro The
End of Power (o fim do poder, em tradução literal) Moisés Naím assinala
que os partidos tradicionais estão em declínio por toda parte.
Na Europa, por exemplo, os social-democratas, o mais antigo partido
político da Alemanha, são uma sombra do que eram, e novos grupos e
partidos surgiram.
Em algum ponto - provavelmente após uma derrota eleitoral - os
republicanos poderão recobrar o senso. Mudanças ideológicas vêm e vão,
mas a "decadência do poder" (na expressão de Naím) está avançando numa
direção e continuará a transformar a política. O desenho do sistema
político americano permite muitas oportunidades para impasses e
paralisias, que só se multiplicarão a menos que haja uma mudança
dramática. Sem organização e liderança, fica difícil governar, e o
autogoverno chega perto do impossível. O lendário cientista político
Clinton Rossiter certa vez proclamou: "América sem democracia não,
democracia sem política não, política sem partidos não, partidos sem
concessões e moderação não". Esperemos que ele esteja certo sobre a
última parte.
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