Médico explica os riscos do paracetamol e diz que não sabe por que remédio continua no mercado
Pesquisa divulgada pela revista científica New Scientist alerta
sobre os riscos que o paracetamol traz para a saúde depois que foi
divulgado que o analgésico se tornou a principal causa de insuficiência
hepática nos Estados Unidos. O estudo mostra que a proporção de
problemas no fígado causados pelo medicamento chegou a 51% do total em
2003. Em 1998, esta proporção era de 28%.
Os cientistas americanos responsáveis pelo estudo chegaram à conclusão
de que 20 comprimidos de paracetamol por dia são suficientes para causar
insuficiência hepática e levar à morte - a dose máxima recomendada é de
oito.
Em
entrevista ao UOL News, o toxicologista Anthony Wong, do Centro de
Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas, deu uma aula sobre o
que se deve e o que não se deve fazer no uso do paracetamol, admitiu não
saber por que o remédio ainda continua no mercado e explicou que a
dosagem perigosa varia de pessoa para pessoa.
"A
quantidade de comprimidos é altamente variável. Só aqui no Brasil tem
comprimido de 750mg. Na Inglaterra só tem de 500mg e de 360mg. Nos
Estados Unidos existem comprimidos de até 1g, mas isso ainda é muito
restrito. Nos Estados Unidos, inclusive, já há restrições, com
advertência de caixa preta, para que as pessoas não tomem paracetamol
com bebida alcoólica. Se tomar mais de 3 doses de bebida alcoólica não
pode tomar paracetamol."
Ainda
sobre a dosagem, lembrou: "20 comprimidos é uma dose média, mas há
pessoas que já tiveram falência hepática tomando 8 comprimidos de 500mg,
que dá 4g. É importante salientar que a máxima diária são 4g de
paracetamol, desde que não tenha álcool, problema hepático ou o paciente
não esteja tomando um outro remédio."
Nada de paracetamol na ressaca
Ele
contou que a velha prática de tomar um comprimido com paracetamol em
dias de ressaca para combater a dor de cabeça deve ser completamente
abolida da vida das pessoas. "É uma boa advertência para essa época de
natal e ano novo. Não se pode tomar um porre e depois tomar paracetamol,
pois pode causar lesão hepática fulminante mesmo em doses menores do
que 20 comprimidos. Também não pode tomar aspirina, porque ela aumenta o
sangramento gástrico."
Para
Anthony Wong, a pesquisa vem numa boa hora. "É importante e muito
bem-vindo o alerta, porque os americanos e principalmente os brasileiros
tomam remédios como se fossem 'M&Ms'. Não pode." Ele contou que nos
Estados Unidos, além da morte causada por falência hepática, o
paracetamol é a principal causa de morte por intoxicação de todos os
remédios que existem no país."
"Então
por quer ainda está no mercado?", perguntou a jornalista. "Nos Estados
Unidos tem um forte trabalho de marketing em cima do FDA. Já na Europa
há muitas restrições. Na Inglaterra, por exemplo, só se pode comprar uma
caixa por mês."
Segundo
o médico, febre muito alta, jejum prolongado ou vômito prolongado em
crianças ou adultos são muito perigosos. "Isso esfolia a pessoa de
radicais que são necessários para neutralizar o paracetamol."
O efeito no fígado
Segundo
o médico, o efeito do paracetamol no fígado é tardio. "Depois de 12
horas a pessoa começa a sentir náuseas. Depois de 24 horas começa a ter
dor de cabeça muito forte por causa da lesão do fígado. E aí não adianta
dar nada, porque o antídoto só funciona, na melhor das hipóteses, antes
de 24 horas. Depois disso é muito tarde."
Ele contou que há 3 anos saiu na Pediatrics um
estudo alertando para esse efeito, dizendo que uma criança que tomou
paracetamol e está vomitando poderia estar com overdose de paracetamol.
"E tanto é verdade que muitos centros já aplicam um antídoto quando uma
criança que tomou paracetamol é atendida e a mãe não sabe dizer qual foi
a dose. Depois fazem a dosagem. Se for baixa, suspendem o antídoto."
O paracetamol e a febre
Anthony
Wong lembrou que vários antigripais contêm paracetamol. Lillian pediu
para o médico citar alguns nomes-fantasia para que as pessoas pudessem
saber de que remédio estão falando. Citou como alguns exemplos Tylenol,
Naldecon, Cheracap, Cedrin e Dimetap. "Quase todos os antigripais têm
paracetamol e muito facilmente causam overdose."
O
especialista explicou que não se deve nunca começar um tratamento de
gripe com aspirina. "Motivo: existe uma doença chamada Síndrome de Reye,
que causa a destruição fulminante do fígado se a pessoa tomar aspirina e
tiver propensão genética de destruição maciça no fígado." Ele contou
que essa advertência sobre o uso da aspirina foi feita no fim da década
de 70, começo da década de 80.
"Quando
saiu essa advertência, a incidência de Reye nos Estados Unidos era mais
ou menos de mil casos por ano. Praticamente 95% das pessoas morriam. No
Brasil não era muito menor. Depois da advertência, o número de casos
caiu para 25 ao ano. Isso demonstra que existe uma associação causal com
uso da aspirina."
Alternativas
O
médico deu algumas alternativas ao paracetamol. "Tenho uma certa
preferência pela dipirona (novalgina), mas o ibuprofeno (advil para
adulto e alivium para criança), que está entrando agora no mercado, é
bastante seguro." Wong lembrou que nem a aspirina nem o paracetamol
podem ser ingeridos em casos de dengue. O primeiro porque causa
sangramento e o segundo porque ataca o fígado.
Sobre
reação anafilática, Wong explicou que independe do medicamento. "Pode
acontecer com qualquer remédio, desde dipirona, pinicilina (o mais comum
de causar alergia), ácido acetilsalicílico, até picada de abelha. A
dica é: evite ao máximo tomar remédio. Se precisar, tome com cautela,
com cuidado, mesmo que seja a 1/10 de vez que estiver tomando aquele
remédio."
O paracetamol e a estatina
A
jornalista Lillian Witte Fibe perguntou a ele se é perigoso misturar o
paracetamol com a estatina, que é usada para o controle do colesterol.
"Ainda não foi demonstrada uma associação entre os dois. Parece que
atuam em lugares diferentes dentro da célula hepática. Sabemos que
alguns antibióticos, como a rifampicina, usada para tuberculose, e
também alguns antibióticos da linha do cipro podem se associar ao
paracetamol e provocar uma lesão de fígado."
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